quinta-feira, 11 de junho de 2009

Pensemos

Está na hora de acabar com individualismos mesquinhos. Vivemos numa época de miséria intelectual em que numerosos muros se erigem por todo o lado ao pensamento, a começar pelos mais intransponíveis de todos: as múltiplas e incógnitas barreiras da nossa falsa consciência. Enganem-se aqueles que pensam que o necessário hoje em dia é o recolhimento numa suposta intimidade egótica. Pelo contrário, esse é o sentido que nos é imposto hoje em dia pelas subtis forças da alienação; são elas que nos vendem gato por lebre - quando pensamos que nos instalamos na simplicidade, é a pequenez que nos acolhe com um fulgor jamais visto em parte alguma. Essa pequenez cumpre um vasto propósito que dissimuladamente se imiscui cada vez mais e mais por entre recônditos e inauditos espaços da nossa constituição, até que a potência de vida por nós reservada a um puro deleite narcísico entre plenamente no fluxo do capital e se torne mais um stock entre outros, disposto como que em prateleiras de uma "grande superfície" para o livre usufruto do poder.

É urgente não agir, mas pensar em conjunto. O espaço do agir imediato torna-se mais apertado e sufocante a cada dia que passa; a necessidade que longiquamente emerge no horizonte é a de um pensamento capaz de se situar livremente face às demandas de um mundo que prefiguramos surgir diante de nós a uma velocidade crescente. Um mundo populado por novas formas de coacção e constrangimento cada vez mais subtis, actuando em diversos planos da nossa existência. O materialismo dos nossos avós produziu uma forte e poderosa muralha à nossa volta, mas aproximamo-nos hoje do momento em que as fissuras na muralha serão numerosas o suficiente para que a sua ruína seja efectiva e nos deixe desamparados e indefesos perante influências de toda a espécie, sem uma linguagem que ilumine a escuridão dessoutra face da terra.

Ergamos a tocha do pensamento e deixemo-la iluminar os nossos passos, se um de nós cair o outro estará lá para o levantar.

domingo, 17 de maio de 2009

Mais depressa passa um Camelo etc.

Apesar do perigo de incorrer numa leviandade, é com prazer que aqui deposito uma pequena jóia perdida no Hades do YouTube:

Perspectiva

Porquê olhar para trás quando ver é justamente ver daí? Se o passado nos dá a ver porquê perpetuar a ilusão de que podemos ver-nos vendo? Deixemo-nos de redundâncias; olhemos em frente.

Que o nosso destino foi haver chegado ao ponto de sermos livres de assumir uma perspectiva.

(tudo o resto é negócio, palhaçadas e mise-en-scène)

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Irresoluções

Estou farto de gente que não percebe nada de nada. É tudo uma cambada de palhaços (no sentido nietzschiano). Será que tamanho oblívio conduz à macaqueação da vacuidade? Porquê o incessante atordoamento, saturação, excesso, verborreia?

A bestialidade faz-nos perder o sentido do movimento no silêncio e na quietude.

E o pior é que vou continuar a "pagar para ver". Será esta a triste sina de um português nascido ateu?

quarta-feira, 25 de março de 2009

Diferença

A identidade difere da diferença, não é o mesmo que a diferença. Apenas o seria, o mesmo, se aquilo que dela diferisse fosse o mesmo que ela - o que somente acontece com a diferença afirmada univocamente. A diferença sendo o mesmo daquilo de que difere, eis o monismo da diferença. Um monismo que, pelo facto de negar o seu outro, a identidade, não o idêntico, se posiciona como um puro negativo: é este o sentido último da "afirmação da afirmação" deleuziana.

Em Deleuze, o conceito é então como que "imaculado", concebido sem falta, na medida em que a pura Ideia da diferença formaliza a totalidade do empírico, não o elevando a Ideia, mas rebatendo a idealidade no plano do empírico - o plano de imanência. Este plano, enquanto monismo da imanência do diferente a si mesmo, nega a identidade do conceito, i.e., o seu devir, dado que o próprio da identidade do conceito é o seu determinar-se pela negação daquilo de que difere - somente assim concretizando a sua identidade. Contudo, esta negatividade do conceito produz o seu outro como um resto do processo, exteriorizando-se totalmente, esvaziando-se, mas preservando-se a si próprio na sua dessubstancialização. Esta preservação na ausência daquilo que falta é o tomar-se o conceito ele mesmo, na sua universalidade, como conteúdo e, neste sentido, como a transcendência totalmente realizada da Ideia (a contracção do Universo num ponto).

A identidade é então fracturada ou, o que é dizer o mesmo, aberta ao outro no sentido da sua auto-determinação, da sua liberdade. O verdadeiro Conceito, no seu movimento lógico, λόγος, é assim uma Pessoa, dizendo-se a si própria enquanto outra pela diferença de si que produz. Um produzir-se pronunciante enquanto obra de arte num espaço-tempo político.

É talvez este um dos sentidos do motto hegeliano, "operar a passagem da substância a sujeito".

sábado, 14 de março de 2009

Desejo

Quando desejo um objecto não desejo um conjunto - como se isso negasse a objectividade do objecto por oposição a uma multiplicidade transcendental primordial da qual o objecto emerge como uma redução -, a objectividade do objecto é precisamente um campo de significância intersubjectivo que lhe confere um dado sentido.

O desejo aparece então como uma destruição, não como uma construção, uma destruição do objecto do meu desejo: na medida em que o desejo somente como objecto do meu desejo, ele perde a sua auto-subsistência enquanto objecto. O desejo visa desta forma um além do objecto que é reportado ao meu próprio desejo. No entanto, o desejo revela igualmente uma falta puramente interior, explícita no visar desejante que se estende para o exterior, trazendo à luz a finitude daquele que deseja. Assim, desejando o objecto desejo nele o próprio vazio da minha interioridade que me projecta exteriormente.

Se o objecto do desejo é a minha imagem ou representação, aquilo que é efectivamente destruído no desejo é a minha própria fixação numa imagem, através de uma circularidade não meramente positiva, mas negativa, em que o mesmo, o idêntico, retorna como outro. Este outro não sendo porém uma multiplicidade positiva, alegre e dançante, mas a produtividade incessante e in-sistente do trabalho do negativo.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Verdade

Não procuro a verdade como procuro um qualquer objecto quotidiano; deste já tenho conhecimento, de maneira que aquilo que é encontrado é aquilo de antemão tido em vista, sendo a procura dissociada do conhecimento. A verdade não é um objecto conhecido antes da sua procura, pois se conhecesse isso que procuro, pelo contrário, ela, a procura, tornar-se-ia obsoleta. O conhecimento da verdade coincide então com o seu desejo, de forma tal que conhecer não se distingue de procurar, passando a busca de mero meio a um fim em si; uma actividade que, através da contínua instanciação daquilo que é desejado no desejar, uma alteridade radical, continuamente diferencia aquele que deseja até ao ponto de indiferença deste da diferenciação ela mesma.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Rasgo

Em certos momentos, atinge-se uma ideia de estatismo. Tudo se parece fixar numa qualquer superfície sem rumores, aparentemente calma. Como se as linhas de devir se encaixassem, dando a impressão que afinal estamos perante uma espécie de puzzle.

É mentira que saiba de algo. Dias há em que uma ou outra brisa insuspeita parece trazer consigo um leve odor a algo. Noutros, vivemos como que no topo de gigantescos maquinismos, imiscuídos nas dobras de tal ou tal fabricação, onde tudo se torce e contorce, sucumbindo sob o peso de graves e demolidoras passadas.

Em certos momentos, atinge-se uma ideia de estatismo. Até que a coisa pela qual serenamente pensávamos esperar irrompe, rasgando de par em par as cortinas de chumbo do presente.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Excrição

Quando não há ninguém para escrever, a vida escreve-se a si própria.