quarta-feira, 25 de março de 2009

Diferença

A identidade difere da diferença, não é o mesmo que a diferença. Apenas o seria, o mesmo, se aquilo que dela diferisse fosse o mesmo que ela - o que somente acontece com a diferença afirmada univocamente. A diferença sendo o mesmo daquilo de que difere, eis o monismo da diferença. Um monismo que, pelo facto de negar o seu outro, a identidade, não o idêntico, se posiciona como um puro negativo: é este o sentido último da "afirmação da afirmação" deleuziana.

Em Deleuze, o conceito é então como que "imaculado", concebido sem falta, na medida em que a pura Ideia da diferença formaliza a totalidade do empírico, não o elevando a Ideia, mas rebatendo a idealidade no plano do empírico - o plano de imanência. Este plano, enquanto monismo da imanência do diferente a si mesmo, nega a identidade do conceito, i.e., o seu devir, dado que o próprio da identidade do conceito é o seu determinar-se pela negação daquilo de que difere - somente assim concretizando a sua identidade. Contudo, esta negatividade do conceito produz o seu outro como um resto do processo, exteriorizando-se totalmente, esvaziando-se, mas preservando-se a si próprio na sua dessubstancialização. Esta preservação na ausência daquilo que falta é o tomar-se o conceito ele mesmo, na sua universalidade, como conteúdo e, neste sentido, como a transcendência totalmente realizada da Ideia (a contracção do Universo num ponto).

A identidade é então fracturada ou, o que é dizer o mesmo, aberta ao outro no sentido da sua auto-determinação, da sua liberdade. O verdadeiro Conceito, no seu movimento lógico, λόγος, é assim uma Pessoa, dizendo-se a si própria enquanto outra pela diferença de si que produz. Um produzir-se pronunciante enquanto obra de arte num espaço-tempo político.

É talvez este um dos sentidos do motto hegeliano, "operar a passagem da substância a sujeito".

sábado, 14 de março de 2009

Desejo

Quando desejo um objecto não desejo um conjunto - como se isso negasse a objectividade do objecto por oposição a uma multiplicidade transcendental primordial da qual o objecto emerge como uma redução -, a objectividade do objecto é precisamente um campo de significância intersubjectivo que lhe confere um dado sentido.

O desejo aparece então como uma destruição, não como uma construção, uma destruição do objecto do meu desejo: na medida em que o desejo somente como objecto do meu desejo, ele perde a sua auto-subsistência enquanto objecto. O desejo visa desta forma um além do objecto que é reportado ao meu próprio desejo. No entanto, o desejo revela igualmente uma falta puramente interior, explícita no visar desejante que se estende para o exterior, trazendo à luz a finitude daquele que deseja. Assim, desejando o objecto desejo nele o próprio vazio da minha interioridade que me projecta exteriormente.

Se o objecto do desejo é a minha imagem ou representação, aquilo que é efectivamente destruído no desejo é a minha própria fixação numa imagem, através de uma circularidade não meramente positiva, mas negativa, em que o mesmo, o idêntico, retorna como outro. Este outro não sendo porém uma multiplicidade positiva, alegre e dançante, mas a produtividade incessante e in-sistente do trabalho do negativo.