sábado, 14 de março de 2009

Desejo

Quando desejo um objecto não desejo um conjunto - como se isso negasse a objectividade do objecto por oposição a uma multiplicidade transcendental primordial da qual o objecto emerge como uma redução -, a objectividade do objecto é precisamente um campo de significância intersubjectivo que lhe confere um dado sentido.

O desejo aparece então como uma destruição, não como uma construção, uma destruição do objecto do meu desejo: na medida em que o desejo somente como objecto do meu desejo, ele perde a sua auto-subsistência enquanto objecto. O desejo visa desta forma um além do objecto que é reportado ao meu próprio desejo. No entanto, o desejo revela igualmente uma falta puramente interior, explícita no visar desejante que se estende para o exterior, trazendo à luz a finitude daquele que deseja. Assim, desejando o objecto desejo nele o próprio vazio da minha interioridade que me projecta exteriormente.

Se o objecto do desejo é a minha imagem ou representação, aquilo que é efectivamente destruído no desejo é a minha própria fixação numa imagem, através de uma circularidade não meramente positiva, mas negativa, em que o mesmo, o idêntico, retorna como outro. Este outro não sendo porém uma multiplicidade positiva, alegre e dançante, mas a produtividade incessante e in-sistente do trabalho do negativo.

5 comentários:

silvia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Justino Carneiro disse...

Sim, a realidade do desejar, na qual o sujeito se reconhece enquanto outro. Uma conciliação ao nível da positividade do negativo, i.e., uma tensão, não um apaziguamento. A unidade é a unidade contraditória da diferença, a sua identidade enquanto diferença.

silvia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
l'enfant terrible disse...

O desejo é o contínuo agenciamento, não de algo que falta, mas a própria necessidade de desejar. A diferença não necessita de uma identidade, mas de singularidades várias que a manifestam. O que se identifica como diferença é a sua representação, algo que a diferença também possui, no entanto, no sentido de algo que excede essa representação, para a criação de um novo, do Novo.

Justino Carneiro disse...

Nesse aspecto, Deleuze incorre na heresia da "Imaculada Concepção", que se sustém na doutrina da "infalibilidade" do Papa.

O verdadeiro desejo convoca a subjectividade na sua finitude radical e, por consequência, na sua falta. Ninguém pode sair de si e justificar a sua existência, desde uma perspectiva exterior, como um agenciamento de conjuntos - totalidades cujas partes excedem o todo - num plano de imanência. A subjectividade é vivida como um Eu finito, justamente na realidade do desejo, que, visando um puro exterior, o apropria - torna-o próprio a si - como a interioridade mais radical: aquilo que me de-fine. Essa interioridade é um vazio na medida em que o objecto, no desejo, não é possuído. O objecto não é então um particular, este lápis, esta mesa, mas um universal, o puro X, predicando-se dele a aniquilação das suas particularidades.

A identidade da diferença é dada pelo facto de a diferença diferir de si própria. A sua identidade, o Ser do Devir, o Uno do Múltiplo, não é o A=A cadaverizado do entendimento, mas uma identidade em que aquilo que consigo se identifica difere de si pelo movimento mesmo da identificação, do reconhecimento.